terça-feira, abril 07, 2009

Tetraplégico Por Um Dia

Hoje no centro de reabilitação no qual trabalho como enfermeira fui surpreendida por um aviso que dava conta de uma iniciativa que parece ter partido de um doente, que nos propunha por algumas horas em determinado dia realizar algumas actividades de vida diária como se sofressemos de tetraplégia. Ao que parece a iniciativa pretende que nos coloquemos na pele de um Tetraplégico. O prémio, aliciante por sinal, vai para quem desempenhar melhor o papel! Colocar-me na pele de um tetraplégico? Mas de que tetraplégico? Com lesão a que nível? Consegue falar? Consegue respirar sem ajuda? Consegue comer sem ajuda? … Estas questões o aviso não dizia, mas eu entendi, o doente que teve a ideia não pensou em todos os tipos de tetraplégicos diferentes que existem, não pensou em quantas pessoas sofrem deste problema, o concurso é para saber quem é capaz de se colocar no Seu Lugar. Pois sinceramente lhe digo, após reflectir muito sobre esta competição, nunca, jamais, em tempo algum, seria capaz de me colocar no seu lugar, porque a tetraplégia não é um problema que se resume à incapacidade física e à dependência física dos outros. É perder o direito à privacidade, é perder o direito a estar sozinho sem medo, é perder o direito à autonomia, é perder os amigos que julgávamos ter, é perder a vida social tal como a vivíamos, é ter sempre alguém a opinar sobre a nossa vida, é revoltarmo-nos com quem mais nos ama no mundo, é sentir-se impotente perante o sol, a chuva, o vento ou o ar condicionado… Jamais poderei colocar-me no seu lugar sem pensar que jamais poderei alcançar toda a dimensão do que a tetraplégia representa para si e tal é o respeito que sinto por si, que nunca o vou tentar fazer. Se um destes dias mais difíceis, quiser falar comigo sobre tudo o que está a viver, eu vou perguntar em que medida posso tornar os seus dias menos difíceis, menos penosos, eu estarei aqui com toda a disponibilidade para o ouvir e ajudar. E vou guardar essa informação para poder ajudar outras pessoas em situação idêntica à sua, mas não vejo de modo algum como esta experiência física de andar de cadeira de rodas pode resumir tudo o que passa na vida de um tetraplégico. É esta a diferença entre o enfermeiro e outros técnicos de saúde, o enfermeiro não vê só a parte física do doente, vê o ser humano em todas as suas dimensões.

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