O Duarte é agora um adolescente, conheci-o com quatro anos quando uma infecção veio transformar a sua vida totalmente, um dia corria pela sala e dias depois acordou nos cuidados intensivos e percebeu que a única parte do corpo que conseguia mexer era a cabeça. Recebi-o quando saiu dos cuidados intensivos, não conseguia falar porque a traqueostomia pela qual um ventilador respirava por ele, não lhe permitia falar. Chegou ansioso, agitado e muito assustado. Vinha para um serviço onde não conhecia ninguém e apenas a mão que agarrava a sua lhe era famíliar, a da sua mãe. A mãe foi almoçar e eu prometi ficar sempre com ele até a mãe voltar, era importante ele aprender em confiar em nós. Entretanto ele tentou falar comigo pelo mexer dos lábios, no entanto acompanhava essa linguagem com mil expressões faciais que não facilitavam a interpretação da mensagem e eu tentava adivinhar o que o perturbava... Não consigo imaginar quanto tempo estivemos naquela conversa difícil, para mim e para ele pareceu uma eternidade, mais ainda para ele que tinha uma necessidade urgente de coçar o nariz, que eu tardei a dar resposta. Depois desta primeira aventura muitas outras se seguiram, o Duarte dormia mal e exigia a nossa presença a cada instante, com movimentos de pescoço, conseguia desadaptar a conexão do ventilador, fazendo alarmar de imediato o aparelho, mais tarde,fazia saltar chupeta que tinha uma campainha para nos chamar... Cedo percebeu que tinha de voltar a falar, com a sua força de vontade, começou por um sussurro e pouco a pouco voltou a falar de forma audível.Se vinha para junto ao Duarte uma enfermeira que ele não conhecia, após uma breve apresentação, o Duarte ía explicando cada passo que era necessário para cuidar dele. Desde vestir e despir, ao banho de banheira, à técnica de aspiração de secreções,ao posicionamento...
Foi um ano difícil, até ser possível ao Duarte, voltar à sua casa. Teve momentos de revolta, de tristeza, de cansaço, mas nunca ouvi o Duarte pedir alguma coisa que fosse impossível, nunca o ouvi ter pena de si mesmo. O Duarte era um herói para todos os que o conheciam, à hora das mães dos meninos irem jantar, as enfermeiras juntavam os meninos mais crescidos à volta do Duarte e todos assistiam a um filme, atentos aos comentários do Duarte, que já tinha assistido aos filmes dezenas de vezes. O Duarte cativava tanto crianças, como adultos!
As despedidas que todos sabíamos ser um até breve, também não foram fáceis, aquele espaço ficou vazio durante dias...
No dia que me despedi dele perguntei-lhe o que queria fazer quando fosse grande. Nunca lhe tinha feito esta pergunta, mas naquele dia pareceu-me a altura perfeita e ele olhou para mim, com os olhos brilhantes e disse:
_ Quando for grande, quero beber água pela torneira, como o meu mano!
Fiquem abismada com aquela resposta e me faz pensar...
Quantos de nós não escondem num simples desejo, toda a imensidão de um sonho impossível de realizar?